19 de mar. de 2014



Guinard- 1949


se alguma palavra se soltar da minha pele percorrendo lentamente esse vazio em que a noite me joga,
se algum pássaro negro ainda tiver um canto doce,
se alguma orla ainda estiver espumante,
se algum amante der o primeiro passo,
se o desejo ainda formar borboletas,
se o sorriso ainda coçar algum lábio,
se a luz ainda desenhar cores,
e as cores me envolverem em seus tentáculos,
a escuridão será fantasia
e tudo será resistência
e tudo se transmutará
em
ar.
e o vazio: sonho.

25 de ago. de 2013


Colagem "La Venus domestica"
 
minhas mãos tremem de não corresponder ao mundo. sentimos medo de tudo e temos refúgios malditos, incógnitos, que vão e vem. num fluxo de sensações e evocações, perambulo pela cidade em busca de não querer nada. passarinho burro, gato feio, cão delinquente. estamos nessa merda dessa barca que nuca afunda. sonho a noite e desisto todo o tempo, o tempo todo. perco meu direito de sol, de vagabundagem e não tenho dinheiro para comprar o ócio. passo fome de vida para não padecer.

5 de ago. de 2013


Fotomontagem - 1884
autor desconhecido
 
e por acaso eu ainda estou aqui,
PRESENTIFICADA.
como nós gostamos de usar.
pois,
a palavra VIVA já banalizamos,
a palavra MATÉRIA desvalorizadíssima no mercado conceitual,
o caminho entortado desde a idade da razão...
a palavra JORNADA dura de mais para se poetizar,
a palavra FINITUDE  demais para encarar,
os ciclos todos naturais,
os rumos todos pervertidos,
os sonhos todos programados em um milhão de bites.
então me PRESENTIFICO, sem laços e datas marcadas,
todo dia, TODO DIA,
pra lembrar
que ainda existo
à revelia da morte surdina de nossos tempos.

6 de jun. de 2013


 
a morte está por aí dançando. saltita seus passos coxos em volta de seus bailarinos. participa do ato final. dois zumbis passam por mim e santa cecília lhes purifica. o caos tornou-se ordem por falta de opção. miseráveis  somos todos e o dia lindo de outono quase não resiste.  cremes antirrugas. suicidas nos trilhos. falta comida amor generosidade. sobram armas e cartões de crédito. god save the tupiniqueem. quase enlouqueço antes de alcançar o word e o vinho barato.

13 de abr. de 2013

quando eu era criança eu era sempre a primeira a chegar.
agora sair e fechar se tornaram minhas palavras.
parei de acreditar no que os adultos dizem.



30 de out. de 2012

tenho cabelos espalhados aos ventos do sul. sinto um frio que não passa que só cura com abraço. me emociono só de pensar que posso sentir amor. virei mocinha assustada do interior de meus sertões. por lá as histórias tristes deixam marcar a cor de carmim. mordo por deselegância mesmo e já não durmo se lembro dos sonhos de maneira ofendida. estas novas cicatrizes nunca enfraquecem a dor das horas machucadas. curei apenas uma borboleta, um beija-flor e umas horas. noiva sentada na pedra debaixo da árvore. ainda pensa que seu vestido branco é o da primeira comunhão com a salvação.

3 de jul. de 2012

a lua maltrata meus sentidos e o filósofo me deixou pessimista. muito expressionista e austera. você ainda não me contou seu segredo. eu tenho que virar ilha para perder mais um pouco de mim. está na hora de cortar os cabelos e tentar salvar um pouco da poética sôfrega. só poderás me puxar para ti se me pegares pela mão. sem medo, sem medo. escuto o silêncio do mundo no caos desta fera. não há cosmos. tenho um pouco de dó dos tolos e muita consideração pelos que conseguiram se distrair desta maldita e infindável angústia. eu não. sempre essa tola sofredora com dois terços de instinto e o resto de uma razão surrada. hoje não era dia de romance? as moiras teçam sem cessar suas linhas coloridas. me amarram. me sufocam. e você por que não larga esse esconderijo e vem me salvar?

15 de abr. de 2012

Femme Maison - Louise bourgeois 1994

vasto costão de pedras mudas. nenhuma vênus. nenhum brancusi. nada para modelar. o pó que cobre os livros não vale um cigarro. já não se ama como antigamente nesta paisagem de mármores frios. mesmo nas notas quentes. arranco meus olhos por enxergar demais. jogo xadrez no escuro que é como se deve levar o tempo. não me faça sentir pertencimento, é doloroso. você leva chaves ferramentas imagens. e o céu despenca de memórias. essas pedras se movem. fantoches conduzidos por linhas de ouro. te encontro e acordo. teu signo ainda grudado em mim.

19 de mar. de 2012



obliterada por uma vontade de nãoseiquem
desperdiço as horas, os poemas, a beleza que ainda me resta.
não concebo essa existência vazia.
onírica estou sempre,
vadia e corrompida por uma história romântica.
se ao final, quando a barbárie chegar, estiver ainda nessa doce busca de Alice,
espero que comprem para mim um vestido rosa, um pente com fita,
um dicionário de sinônimos e chamem os amigos.


Pintura de Eva Hesse

27 de fev. de 2012

há mais confetes que emoção
na derrocada da quarta de cinzas.
ainda se pode ao longe ouvir pela memória
indizíveis gargalhadas,
todas banhadas em paetês e salivas,
todas confusas no tempo da brincadeira.
quem é o parvo que acredita nisso?
nessa ilusão programada,
nessa espera pelo Pierrô ou pela Colombina,
nessa contínua indecência de achar mágica
onde só existe corpo.
há mais retalhos agora para serem costurados,
hora de arranjar caprichosamente
um novo estandarte.